A psicologia do desporto estuda os melhores. Contrariamente à psicologia clínica, que tenta perceber as doenças para “devolver” o bem-estar psicológico ao ser humano, a psicologia do desporto centra-se nos aspectos positivos, tentando compreender as causas do sucesso de atletas de elite. Baseia-se numa psicologia positiva, nos aspectos positivos e no bem-estar subjectivo do indivíduo.
Contudo, e ao contrário do que se pensa, desporto não é saúde! Desporto pressupõe entrega, esforço, sacrifício… a nível psicológico é extremamente exigente, pois a competição não tolera erros, a apreciação/depreciação social tem um enorme impacto emocional nos atletas, e, a dificuldade em lidar com todos estes aspectos pode levar os indivíduos a um estado de sobrecarga psicológica que acaba por se tornar, muitas vezes, patológico. A nível físico pode deixar mazelas para o resto da vida…
Muitos questionam: se um atleta tiver uma depressão, uma esquizofrenia, uma psicose… é o psicólogo desportivo que o trata? A resposta é, obviamente, negativa. Todos estes exemplos são patologias clínicas. Vejamos: se um atleta partir uma perna será observado por um ortopedista, não será o fisioterapeuta a tratar a fractura. Por analogia, se o atleta apresenta sinais de esquizofrenia é o psicólogo clínico e/ou psiquiatra que o acompanharão.
Todavia, existem, de facto, patologias sobre as quais o psicólogo desportivo tem acção: são as psicopatologias desportivas, cuja génese está na participação do atleta na competição e nas adversidades que desta podem advir. São psicopatologias que não têm a pesada conotação negativa de “patologia” no sentido literal da palavra; saúde define-se por ausência de doença, presença de bem-estar físico, mental e social (WHO), logo, estes atletas não estão “doentes”, uma vez que não apresentam, necessariamente, mal-estar físico.
O síndrome de campeão (master syndrome) é uma manifestação psíquica que evolui progressivamente e é determinado pelos traços de personalidade do atleta e pelo ambiente em que está inserido. Ocorre frequentemente em atletas de elite e no final da sua carreira. O facto de se tornarem “estrelas” rapidamente, pode desencadear esta disfunção, que se caracteriza por falta de auto-estima e culpabilização externa pelos resultados negativos. Estes atletas, no decorrer do tempo, acabam por adoptar comportamentos histriónicos, desejando ter mais liberdade, dinheiro e poder de decisão, o que leva a uma sucessão de erros nas suas vidas pessoal e profissional. Todos se lembram, certamente, da gloriosa e desastrosa carreira de Maradona…
A nikefobia (success phobia) é, basicamente, medo de ganhar. O atleta com esta perturbação tem, claramente, melhor rendimento em ambiente de treino do que em competição, falta sistematicamente a eventos desportivos importantes e falha em momentos cruciais, quando pode conseguir uma vitória. Outra característica importante desta disfunção é quando os atletas pensam que não conseguirão repetir uma boa prestação, como acontece quando um atleta “desconhecido” alcança um resultado para o qual não estava preparado, e não consegue manter a sua prestação acabando por se lesionar no momento oportuno. Caracteriza-se, ainda, pelo medo da responsabilidade de substituir um colega com mais capacidades.
Existem outras perturbações, como a ansiedade pré-competitiva – o excessivo “nervoso miudinho” que os atletas descrevem sentir antes de uma competição – e a depressão por êxito – quando a vitória alcançada não parece suficiente e a possibilidade de derrota numa competição futura acaba por parecer mais importante do que o sucesso do momento.
Estes estados mentais, chamemos-lhes assim, só entram na classificação de psicopatologia desportiva se forem sucessivos e frequentes, e impliquem mal-estar na vida pessoal do atleta. Se um atleta apresentar estes comportamentos esporadicamente, tem de procurar a ajuda do psicólogo da sua equipa técnica para poder ultrapassá-los e controlá-los.
Rute Carvalho
Licenciada em Psicologia
Mestranda em Psicologia do Desporto
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